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quarta-feira, 24 de abril de 2024

O BRASIL QUE TODOS MERECEM!

 O BRASIL QUE TODOS MERECEM!

Quanto mais medito a “Ambiguidade humana e graça de Deus – A origem do mal” no terceiro capítulo do Livro de Gênesis, especialmente o diálogo do Criador com o Homem (Gn 3, 8-13), concluo que até nossos dias a história se repete, no que diz respeito à transferência de responsabilidades! O homem remete sua culpa à mulher e esta à serpente no cenário do Éden. “Fiz, mas não tenho culpa, porque foi ela que me tentou!”

No atual cenário político não parece ser diferente. Os que vão sendo descobertos em suas falcatruas, roubalheiras, desvios de verbas públicas, corrupção sistêmica e responsabilidade fiscal remetem a terceiros seus atos, mesmo que tenham tido conhecimento ou não disso ou daquilo. Perdeu-se totalmente a consciência do ridículo. Nossos Governantes, especialmente alguns Deputados e Senadores reeleitos, que mais parecem com raposas de campanha (não são todos), subestimam seus eleitores decepcionados com as inúmeras revelações do que costumo chamar de diabólico, porque enganoso, mentiroso, cruel e nem por último criminoso.

Não me refiro aos bilhões de reais que escorrem pelos bolsos de tantos homens públicos, utilizados para o bem pessoal ou de coleções de sapatos de suas esposas. Segundo o Magistério da Igreja Católica, a Teologia Moral nos ensina que alguém arrependido de ter roubado algo de maior ou menor valor, e tendo a coragem de confessá-lo, será orientado a devolver o roubado, a fim de que reencontre a paz que tal pecado lhe roubou. Se os bilhões desviados dos cofres públicos fossem devolvidos a quem de direito, já teríamos uma boa solução para a crise que se instalou em nosso rico Brasil: crise política, econômica e principalmente ética. Porque não acredito que os “Corruptos poderosos” condenados a alguns anos de prisão, se convertam. Gosto de pensar que quando se encurta uma calça, é na barra da mesma que se corta e nunca na cintura. Os subservientes que paguem pelos verdadeiros mandantes.

Devemos ser misericordiosos como o Pai é misericordioso. Mas se lermos o texto de Gênesis 3, 14-24, veremos que a atitude de Deus foi a imposição de uma penitência corretiva. Não basta arrepender-se, pedir perdão e não corrigir os estragos que nossa atitude causou. Ao invés disso, um remete a culpa ao outro. Se cada um assumir sua parcela de responsabilidade, chegaremos ao consenso de que é necessária uma imediata conversão ou radical mudança, que devolva não só o dinheiro desviado e gasto indevidamente, como a dignidade do Povo tão pacífico, trabalhador e sofrido, porque subestimado em sua capacidade de discernir o certo do errado e o verdadeiro culpado do inocente. Para que isso aconteça, será necessário rever o equilíbrio, a educação básica sem gritos histéricos e ameaçadores, as manifestações que depredam bens públicos e privados, o diálogo e respeito com o diferente!

A transferência de responsabilidades não leva a lugar nenhum, a não ser a um poço de areia movediça. Já passou da hora de colocar a mão na consciência, ter um pouquinho de vergonha na cara e uma dose de humildade, a fim de redesenharmos o Brasil que todos merecem!

Pe. Gilberto Kasper - Teólogo


quarta-feira, 17 de abril de 2024

UMA MAÇÃ POR SEMANA!

UMA MAÇÃ POR SEMANA!


Segundo de quatro filhos fiquei órfão de pai aos quatro anos de idade. Minha mãe tinha apenas 25 anos. Entregou seu marido com 27 anos e nossa irmãzinha mais nova, com apenas cinco meses, no dia do enterro de nosso pai. Ficou com três meninos: meu irmão mais velho com seis, o mais novo com dois e eu com quatro anos. Nunca quis casar-se novamente e viveu seus 73 anos como uma das mais virtuosas mulheres que conheci. Especializou-se como costureira de calçados. Trabalhava sozinha para “criar” os filhos, saindo às 6 horas da manhã, retornando às 21 horas. Morávamos com os avós paternos. Mesmo antes de freqüentar a escola, éramos responsáveis pelos serviços domésticos, cuidando dos animais, plantação em terrenos arrendados. Desde a limpeza geral, o cultivo do jardim na frente e da horta nos fundos da casa, ficava por conta dos três “Guris”, monitorados pela avó com o chicote na mão. Somente depois de todas as tarefas cumpridas, tínhamos uma hora diária de diversão. Brincávamos no quintal da casa e quando o serviço era aprovado, tínhamos o privilégio de jogar futebol num campinho gramado em frente de nossa casa. 

Nos finais de semana, minha mãe se encarregava da roupa: lavar e passar. Aos sábados, bem cedinho, andava do Bairro Liberdade onde crescemos, na cidade de Novo Hamburgo (RS) até o Centro – um trajeto de quatro quilômetros – a pé, para comprar o que não cultivávamos na horta de casa. Embora tivéssemos um rico pomar próximo à estrebaria das vacas, do cavalo, do chiqueiro de porcos e do galinheiro, nem todas as frutas vingavam.

Uma de nossas alegrias se resumia a uma maçã por semana! Eu era tão agradecido ao sacrifício de nossa mãe, reconhecendo com quanta dificuldade nos proporcionava uma maçã por semana, tratando-se de uma fruta possível apenas na mesa das famílias economicamente privilegiadas, que comia a minha – a minha maçã – bem devagar. Eu a escondia debaixo da cama e ela chegava a ficar preta, pois durava do sábado à terça-feira. A cada mordida, eu rezava uma Ave Maria de gratidão, valorizando o esforço e a dedicação de oferecer o possível, com um salário mínimo, suado mensalmente, por minha amada mãe!

A pobreza material não deve ser vista como “vergonha”. Enriquecer a pobreza com criatividade é o caminho da dignidade. A dignidade humana se conquista com educação de berço, valorizando os pequenos gestos e partilhando de nossa própria pobreza com os que têm ainda menos do que nós. Ser pobre ou desprovido de necessidades básicas não nos permite sermos mal-educados, desonestos, “barraqueiros” e desrespeitando o bem-comum, especialmente os espaços públicos reservados para todas as pessoas de boa vontade. Lamento tanto ver tanta sujeira em torno do que chamados de pobreza, quando muitas vezes também deixamos de cumprir com nossas obrigações, as mais básicas, como deixar um banheiro público limpo depois de usá-lo; não jogando nas calçadas ou praças objetos que não nos servem mais!

Pe. Gilberto Kasper

          Teólogo



quarta-feira, 10 de abril de 2024

QUEM FOI QUE TE CONVIDOU?

 

  QUEM FOI QUE TE CONVIDOU?

 

Eu estava com oito anos de idade. Estudava no Colégio Sagrado Coração de Jesus, na Vila Santo Afonso de Novo Hamburgo (RS). Servia como coroinha na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, cuja Igreja Matriz fica situada em frente ao Colégio. Os Jesuítas, aos finais de semana, colaboravam com o Pároco nas celebrações e atividades pastorais. Iam de São Leopoldo, onde está o imenso Colégio Cristo Rei, na época Casa de Formação dos Padres Jesuítas, hoje Centro de Espiritualidade da Diocese de Novo Hamburgo.

O Padre Ivo Müller fizera seu estágio pastoral como Diácono transitório, em nossa Paróquia. Depois de ordenado Sacerdote foi celebrar uma de suas Primeiras Missas em nossa Igreja Matriz. Nós, os Coroinhas, preparamos tudo com grande zelo, para que a Primeira Missa do Néo-Sacerdote fosse solene!

As Senhoras do Apostolado da Oração prepararam um jantar muito chique no Salão Paroquial. A Irmã Neófita, hoje na feliz eternidade, era minha professora no Segundo Ano do então primário, hoje Ensino Fundamental I. Ela conhecia uma de minhas habilidades em declamar poesias. Para homenagear o Padre Ivo Müller a irmã pediu-me que decorasse uma das poesias do Padre Paulo Aripe de Alegrete (RS). Foi um grande poeta e preservava a tradição gaúcha, como CTG – Centro de Tradições Gaúchas e a Missa Criola. Suas poesias, em sua maioria, eram voltadas à linguagem gauchesca. Uma delas chamava-se “Minha Primeira Missa”! Esta poesia contém quarenta longos versos. Foi a escolhida para que eu a declamasse antes de servirem o jantar ao Néo-Sacerdote no Salão Paroquial muito lindamente preparado.

Terminada a Solene Primeira Missa do Padre Ivo, fomos ao Salão Paroquial. Eu, de família muito humilde, jamais vira um Salão tão lindo e cheio de pessoas, prestes a jantarem, manifestando assim sua gratidão por um Padre tão querido da Comunidade. Padre Ivo Müller era acolhedor e tratava com especial dedicação crianças, jovens e idosos. Todos o admiravam, eu inclusive.

Tão logo Padre Ivo adentrou ao salão, depois de cumprimentado por todos, alguém pediu silêncio. Já sentados às mesas, puseram-me sobre uma delas, bem no meio do salão, diante da mesa do Néo-Sacerdote. Dona Generosa, a acordeonista de nosso CTG, brindou-nos com um belíssimo fundo musical e eu comecei a declamar aquela longa poesia: “Minha Primeira Missa”, em homenagem ao Padre Ivo. Ficara muitas horas ensaiando diante do espelho até chegar aquele dia. Minha declamação foi perfeita. Principalmente as Senhoras do Apostolado, mas também o Padre Ivo, permitiam lágrimas de grande emoção escorrem rostos abaixo. Alguns se diziam arrepiados de tanto que gostaram da poesia, uma verdadeira prece de gratidão de um Padre recém-ordenado.

Terminada a homenagem, o Padre Ivo me segurou no colo e me cobriu de beijos e abraços. Eu ainda muito pequeno, mais parecia um botijão de gás, ouvia os aplausos e elogios de todos os lados, mas sentindo-me um tanto deslocado e envergonhado por não ser aquele meu ambiente: era chique demais para alguém tão pobre e simples como eu. Mesmo assim as Senhoras do Apostolado e o Padre Ivo insistiram que eu me assentasse à mesa para jantar com eles. Resisti, mas me convenceram e sentei-me próximo a um grupo de Senhoras ainda muito emocionadas.

Quando já me haviam servido a salada, senti uma mão firme e pesada sobre meus raquíticos ombros. Olhei para trás e vi a Irmã Neófita, vestida de hábito negro olhando com um olhar repreensivo para mim. Falou com voz firme, embora em som baixo: “Quem foi que te convidou para jantar? Teu serviço já acabou, some daqui. Este lugar não é para ti”. Sem nada dizer, levantei-me e saí correndo entre as mesas. Corri quatro quilômetros até chegar em casa, chorando, sem nada dizer a ninguém. Por muitos anos senti dificuldade de aceitar qualquer convite para jantar. Depois, com excelentes terapias superei o trauma, e escrevo hoje para pedir aos meus leitores: jamais traumatizemos uma criança. Amemos as crianças e sua pureza sempre!

Pe. Gilberto Kasper

          Teólogo